"Uso um deformante para a voz.
Em mim funciona um forte encanto a tontos.
Sou capaz de inventar uma tarde a partir de uma garça.
Sou capaz de inventar um lagarto a partir de uma pedra.
Tenho um senso apurado de irresponsabilidades.
Não sei de tudo quase sempre quanto nunca.
Experimento o gozo de criar.
Experimento o gozo de Deus.
Faço vaginação com palavras até meu retrato aparecer.
Apareço de costas.
Preciso de atingir a escuridão com clareza.
Tenho de laspear verbo por verbo até alcançar o meu aspro.
Palavras têm que adoecer de mim para que se tornem mais saudáveis.
Vou sendo incorporado pelas formas pelos cheiros pelos sons pelas cores.
Deambulo aos esgarços.
Vou deixando pedaços de mim no cisco.
O cisco tem agora para mim a importância de Catedral."
(Manoel de Barros)
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