sexta-feira, 30 de outubro de 2009


Este mês, que nesta data se finda, é comemorado mais uma primavera florida de saber de nosso grande mestre da cultura popular, Antonio Ribeiro da Conceição (Bule-Bule), e nada mais justo que fazer uma merecida postagem para nosso referencial artístico, que difunde com tanta maestria o talento da nossa terra para os demasiados cantos de nosso mundo artísticultural.

"Escavocando nas gavetas, na caixa de ferramentas, no saco de fotografias, procurando uma linha para escrever alguma coisa sobre o Bule-Bule, de repente puxo um próprio fio da barba do Poeta.Imagino que esteja crescendo na platéia uma longa curiosidade sobre o Bule-Bule estaria escondendo naquela caudalosa barba branca. O homem vive agarrado na barba, a barba agarrada no chapéu de couro crú, como cupim encravado na madeira, mas com o rabo de fora.Que tesouros ele guarda por ali, como quem joga debaixo do tapete uma saudade velhaca, uma esperança renitente, uma rima e um martelo? Há quem jure ter visto um cachorrinho de madame, um saci e um pedacinho de nuvem se perderem brincando nas barbas fagueiras do cantador. Barbas de mato seco que fazem do bule um pé de algodão andante, agalopando pela terra. Onde pára, muitos pés a sua volta, plantação de orelhas em pé.Bule já gastou muita alpercata cruzando chão, levando no bolso um maço de notas musicais. Foi sempre um regador de esperanças, um semeador de alegrias. Seu talento, seu dom da mais fina ao bordão, deixa longe a nossa capacidade de reconhecimento ou retração.Poeta, profeta, trombeta anunciando tempo bom, sem nunca perder o tom de cabra e cobra, mostrando a língua mesmo em hora de sol quente. Vale o jogo de cintura do garoto propaganda que há mais de vinte anos a gente vê na Tv, top model sem a menor preocupação com o tamanho do guarda-roupa.Amigo, parceiro, solidário. Cidadão. Trabalhador de tempo integral.E digam o que disserem sobre o que dá sombra ao bom papo do poeta, desde os que cismam que a juba é coisa pra travesseiro de moças, eu posso testemunhar que aquelas barbas brancas, com o devido respeito, guardam o gogó mais gostoso da Bahia. Gogó que faz eco na caatinga, nos sertões, do recôncavo ao planalto, dos botequins aos escritórios refinados, na trilha do rio, nos boulevars, nas manchetes dos jornais e nos varais do cordel.Acompanhe o som das sete cordas, esse é o grande Bule-Bule. Vem com a bandeira branca no peito, pra encantar a paz."

(Carlos Celestino Bonetti)

quinta-feira, 22 de outubro de 2009


"Só vos peço uma coisa: se sobreviverdes a esta época,
não vos esqueçais! Não vos esqueçais nem dos bons, nem
dos maus. Juntai com paciência as testemunhas daqueles
que tombaram por eles e por vós. Um belo dia, hoje será
o passado, e falarão numa grande época e nos heróis
anônimos que criaram a História. Gostaria que todo mundo
soubesse que não há heróis anônimos. Eles eram pessoas,
e tinham nomes, tinham rostos, desejos e esperanças, e a
dor do último de entre os últimos não era menor do que a
dor do primeiro, cujo nome há de ficar."
(Testamento sob a força-Júlio Fuchik, 1968)

segunda-feira, 19 de outubro de 2009


Imersos no universo da loucura, paixão, literatura e arte, nasce a COCADA (Companhia Camaçariense de Diversão e Arte).
Nosso primeiro espetáculo: "Um sanatório para Freud" será estreado após 6 meses de ensaios, nos dias 28 e 29 de Novembro, no Teatro Cidade do Saber. O espetáculo é escrito e dirigido por Ivan Antonio, narrando a história de um poeta  preso no período da ditadura militar, que para fugir das torturas finge-se de louco e chegando ao sanatório tem alucinações, vendo os loucos recitando Paulo Leminsk, Lord Byron, Whitman, Exupéry, Rainer Maria Rilke, e outros grandes poetas universais. "Um sanatório para Freud" é também um resgate à verdadeira identidade e beleza dos seres humanos, que faz com que a platéia e os atores passem a ser os grandes e reais personagens da história.

Que Dionísio e Freud nos abençoem...

"MERDA!"

segunda-feira, 12 de outubro de 2009


“Queridos,
Amanhã vou precisar de toda a minha força e de toda a minha vontade. Por isso, não posso pensar nas coisas que me torturam o coração, que são mais caras que a minha própria vida. E por isso me despeço de vocês agora. É totalmente impossível para mim imaginar, filha querida, que não voltarei a ver-te, que nunca mais voltarei a estreitar-te em meus braços ansiosos. Quisera poder pentear-te, fazer-te as tranças - ah, não, elas foram cortadas. Mas te fica melhor o cabelo solto, um pouco desalinhado. Antes de tudo, vou fazer-te forte. Deves andar de sandálias ou descalça, correr ao ar livre comigo. Sua avó, em princípio, não estará muito de acordo com isso, mas logo nos entenderemos muito bem. Deves respeitá-la e querê-la por toda a tua vida, como o teu pai e eu fazemos. Todas as manhãs faremos ginástica... Vês? Já volto a sonhar, como tantas noites, e esqueço que esta é a minha despedida. E agora, quando penso nisto de novo, a idéia de que nunca mais poderei estreitar teu corpinho cálido é para mim como a morte. Carlos, querido, amado meu: terei que renunciar para sempre a tudo de bom que me destes? Conformar-me-ia, mesmo se não pudesse ter-te muito próximo, que teus olhos mais uma vez me olhassem. E queria ver teu sorriso. Quero-os a ambos, tanto, tanto. E estou tão agradecida à vida, por ela haver me dado a ambos. Mas o que eu gostaria era de poder viver um dia feliz, os três juntos, como milhares de vezes imaginei. Será possível que nunca verei o quanto orgulhoso e feliz te sentes por nossa filha?
Querida Anita, Meu querido marido, meu garoto: choro debaixo das mantas para que ninguém me ouça pois parece que hoje as forças não conseguem alcançar-me para suportar algo tão terrível. É precisamente por isso que me esforço para despedir-me de vocês agora, para não ter que fazê-lo nas últimas e difíceis horas. Depois desta noite, quero viver para este futuro tão breve que me resta. De ti aprendi, querido, o quanto significa a força de vontade, especialmente se emana de fontes como as nossas. Lutei pelo justo, pelo bom e pelo melhor do mundo. Prometo-te agora, ao despedir-me, que até o último instante não terão porque se envergonhar de mim. Quero que me entendam bem: preparar-me para a morte não significa que me renda, mas sim saber fazer-lhe frente quando ela chegue. Mas, no entanto, podem ainda acontecer tantas coisas... Até o último momento manter-me-ei firme e com vontade de viver. Agora vou dormir para ser mais forte amanhã. Beijos pela última vez.
Olga.”

(Olga Benário Prestes)